A gente lê: O Corcunda de Notre-Dame
O que você escutou até hoje? Que o Corcunda de Notre-Dame, de Victor Hugo, é uma história de amor entre um feioso e uma cigana belíssima, certo? Pois é, te enganaram.
Visitando a catedral francesa, o escritor viu uma inscrição em grego na parede que dizia "fatalidade". Depois de muito matutar, VH chegou à seguinte cena para traduzir a palavra: uma mosca está voando livremente pelo mundo até que cai numa teia onde será destruída pela aranha. Não cabe a ninguém tentar salvar o inseto, há que "deixar obrar a fatalidade".
É claro que romanceei um pouco esse trecho acima, mas entendo que, a partir daí, foi criada uma trama em que os personagens se revezam ora sendo aranha, ora sendo mosca. E a teia se estende muito além do corcunda Quasímodo e da cigana Esmeralda. Tem o artista-vagabundo Pedro Gringoire, o padre pecador Cláudio Frollo, o galinhão galante Febo de Châuteupers e por aí vai.
É importante se atentar que o livro foi escrito em 1831, em pleno romantismo, mas a narrativa se passa entre janeiro de 1482 e meados de 1483. Isso evidencia outro traço fundamental da obra: é um romance histórico, que deve ter demandado uma árdua pesquisa do autor para eternizar um tempo que já não era mais o dele. Victor Hugo viveu na França burguesa pós-revolução, já o corcunda andava por um país feudal, cujo rei (retratado como um velho bobalhão) lutava para centralizar o país.
O que me fez pensar sobre o que um clássico tem a mais que um outro livro qualquer. Talvez não se trate apenas de elaborar um "era uma vez" legal, a chave da questão é criar um universo que, por mais fictício que seja, te coloque para dentro. E aí fica bem difícil para mim dar um resumo da história, porque Victor Hugo escreveu uma história com uma virada atrás da outra, então qualquer coisinha que eu revelar será spoiler.
Tudo bem, tentarei ser sucinta. Na Paris do século XV, vivem alguns personagens marginais. Entre eles, tem uma cigana que dança pelas ruas e faz truques com uma cabrinha chamada Djali, o que levanta suspeitas de feitiçaria, acusação digna de forca na época. O remelexo de Esmeralda desperta a paixão de alguns homens, inclusive do querido Quasímodo e de seu pai adotivo, o padre Cláudio Frollo. Só que para este religioso a paixão veio junto com muita culpa e, ao mesmo tempo em que não pode simplesmente ficar com a cigana, ele também não quer que ela fique com ninguém mais.
O enredo é incrível, mas aguentem firme, porque a história leva umas 150 páginas para engrenar. Inicialmente, o autor descreve detalhadamente a organização da cidade, fala sobre ruas e bairros que nem existem mais, além de fazer discursos em prol da conservação da arquitetura gótica. Eu achei que não sobreviveria a isso.
Agora me resta a curiosidade de rever o filme da Disney. Vi muita gente dizendo em tom de crítica que "o desenho não tem nada a ver com o livro". Tomara mesmo, porque o enredo original de Victor Hugo deixaria qualquer criancinha traumatizada.
Qual edição brasileira de Corcunda de Notre-Dame vale mais à pena?
Atualmente, tem duas edições mais fáceis de serem encontradas à venda na internet: uma de bolso da Martin Claret (a minha edição da foto no início do post) e uma mais bonitona da Zahar (à direita).
Esta mais atual é lindíssima, ilustrada e comentada, mas tem dois detalhes que me fizeram descartá-la: o preço (custa R$ 60,00 enquanto a da Martin foi R$ 18,00) e o peso (tem quase 500 páginas). Entretanto agora sei que fiz a escolha errada.
Como eu disse, a obra é muito histórica e traz detalhes e costumes que carecem de explicação. Se eu tivesse lido o livro da Zahar, teria aprendido mais. Fora isso, comparei postumamente os primeiros parágrafos de uma e de outra e vi que a tradução da Martin usa uma linguagem muito mais complicada.
Por isso, minha dica para quem tem Kindle é: compre o e-book da Zahar. Custando em torno de R$ 25,00 ele elimina as desvantagens do preço e do peso, e ainda traz os comentários.
Gustavo Woltmann 4 de Abril de 2021 às 19:13
Ótima indicação. Gostei muito. Obrigado.