A gente lê + Frases de Carolina Maria de Jesus em Quarto de Despejo
Leitores da década de 1960/70 devem se lembrar de Quarto de Despejo, o super best-seller escrito por Carolina Maria de Jesus. Ela era mulher, negra e pobre, mas foi contra todas as estatísticas e conseguiu vender mais de um milhão de cópias do livro em que contou o cotidiano da vida que levava na extinta favela do Canindé, na zona norte de São Paulo.
Mesmo tendo estudado apenas até o segundo ano do primário, Carolina gastava o tempinho que lhe sobrava quando não estava cuidando dos filhos ou catando sucata lendo e escrevendo em diários. Diários que, aliás, usava como válvula de escape, trampolim (pois sempre teve a intenção de publicá-los) e arma. Vocês acreditam que ela ameaçava vizinhos e afins dizendo que iria expô-los em seus livros se eles continuassem fazendo papelão?
E foi dessa forma que a até então aspirante conheceu o jornalista Audálio Dantas. Ele estava fazendo alguma reportagem na favela e a encontrou batendo boca com os moradores, dizendo que iria colocá-los nos diários. Audálio ficou interessado e, pronto, em 1959 conseguiu publicar um texto de Carolina na revista O Cruzeiro. Mais alguns meses e Quarto do Despejo foi publicado.
Com o sucesso instantâneo (acho que era a primeira vez que o Brasil via uma negra da favela falando por si), Carolina conheceu Clarice Lispector (que estava no lançamento do livro!), mudou-se da favela que tanto odiava e viajou em eventos literários pelo mundo. Só que suas obras lançadas a partir daí não deram muito certo, e a escritora foi esquecida. Morreu em 1977, aos 62 anos, no sítio que comprou na zona sul de São Paulo.
Como o reconhecimento costuma vir quando o escritor já não está mais aqui, em 2014, Carolina recebeu muitas homenagens em virtude de seu centenário. Na ocasião, sua filha, a Vera Eunice que aparece tanto nos diários e hoje é professora, deu algumas entrevistas relembrando a mãe.
Minhas impressões sobre o livro Quarto de Despejo
O diário foi escrito, com períodos de interrupção, entre 1955 e 1959. O conteúdo não tem muito segredo, é algo no estilo: acordei, fui pegar água, só tinha arroz para comer... Mas acho que o poder da narrativa está justamente na repetição. Chegou uma hora da minha leitura que eu pensei: "gente, ela só fala sobre comida". Só que é este o ponto... Para uma mãe solteira com três filhos, comer era o grande desafio. Fome é uma palavra que a autora usa praticamente todos os dias.
Outro ponto que a repetição evidencia é que são cinco anos de mesmisse. Trocam-se os políticos, mas nada muda para os favelados.
E quando Carolina fala de favela, não está se referindo ao que nós conhecemos como tal hoje em dia. Por um lado, não há relatos no livro sobre tráfico, violência policial e afins. Por outro, eram lugares completamente isolados da cidade, com gente se alimentando de comida podre e crianças morrendo, tipo, pisoteadas pelos pais durante uma briga conjugal.
Ah, os editores optaram por publicar o texto na íntegra, sem alterar os erros ortográficos de Carolina (que, diga-se de passagem, eram muito poucos considerando-se sua baixa escolaridade). Não gostei da escolha. Sei que ajuda a fazer o leitor a entrar no clima, mas também acho que a escritora merecia o mesmo tratamento dado a qualquer outro literato. Ou vocês acham que Clarice mandava originais impecáveis para as editoras? Duvido.
Frases de Carolina Maria de Jesus
Por fim, deixo com vocês minhas frases favoritas de Quarto do Despejo.
"Nunca vi uma uma preta gostar tanto de livros como você."
"Eu cato papel, mas não gosto. Então eu penso: Faz de conta que eu estou sonhando."
"Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos."
"A democracia está perdendo os seus adeptos. No nosso país, tudo está enfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os políticos, fraquíssimos. E tudo o que está fraco, morre um dia."
"Tem pessoas que, aos sábados, vão dançar. Eu não danço. Acho bobagem ficar rodando pra aqui, pra ali. Eu já rodo tanto para arranjar dinheiro para comer."
"Temos só um jeito de nascer e muitos de morrer."
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Vanda Bezerra Cavalcante 30 de Abril de 2018 às 00:18
Desde que conheci a obra dessa mulher guerreira sempre tive o desejo de levar Carolina para os palcos! E depois de muitos anos agora estou realizando esse sonho " os papéis de Carolina" esse é o nome do monólogo que estou fazendo! Muito feliz pois no próximo dia 10 de maio fui convidada para fazer uma omenagem a filha dela Vera Eunice, que também vou conhecer! Ela tem muito a nos falar nos dias tão sombrios que vivemos hoje nos pretos e pretas desse Brasil!