Dois contos sobre Carnaval
Será que vocês conhecem?
O Bebê de Tarlatana Rosa, de João do Rio - Em uma roda de amigos da high-society carioca, Heitor Alencar (cheguei a ver numa resenha que este seria o prefeito do Rio de Janeiro, mas, lendo o conto, não percebi qualquer indicação sobre isso) rememora o estranho Carnaval em que, com um intenso desejo de 'acanalhar-se, enlamear-se', troca os bailes regados à champagne pelas festas públicas do Recreio.
Durante os dias desenfreados, Heitor topa diversas vezes com uma moça fantasiada com um humilde vestido de tarlatana, um tecido fino e baratinho muito usado como forro (veja a imagem à direita). O que chama atenção na garota é um nariz postiço feito de papel que lhe cobre parte do rosto.
Sem nada a perder, nos últimos minutos que precedem a Quarta-feira de Cinzas, o ricaço e moça finalmente se agarram em um cantinho da rua e por ali ficam na maior empolgação. Tudo vai muito bem até que Heitor decide arrancar o nariz postiço da companheira. E aí, se você não gosta de spoiler é melhor parar por aqui, que eu vou contar o melhor da história... no lugar da máscara, sobra um grande buraco cheio de algodão e sangue. Pois é, a bela 'Tarlatana' era uma moça sem nariz.
Enquanto o protagonista sente ânsia e raiva, a moça, aos prantos, pede desculpas e diz que o Carnaval é a única festa em que ela conseguia sair às ruas e se sentir uma pessoa.
O conto surpreendente foi publicado no livro Dentro da Noite, em 1910, que está sendo vendido pela editora Girafinha por uma média de 25,00. Entretanto, eu o li na coletânea Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século, de Ítalo Moriconi (editora Objetiva).
Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles - Enquanto os blocos fervem nas ruas do Rio, Tatisa força sua empregada/faz-tudo Lu a ajudá-la a colar lantejoula por lantejoula na saia de tule que compõe sua ousada fantasia. Ambas têm compromissos e estão apressadas: Lu é aguardada pelo marido para curtir o Carnaval de rua, enquanto a patroa vai a um baile onde só é permitido entrar de roupa verde.
Mas, à medida que o conto corre, a gente percebe que a afobação das personagens quer só camuflar algo muito além da festa: o pai de Tatisa está moribundo no quarto ao lado. Tatisa e Lu são egoístas ou estão apenas querendo se proteger? Elas têm medo de perder a folia caso o homem morra ou apenas não querem se deparar com a morte? Não dá para saber.
Depois de discutirem (e não decidirem) sobre qual das duas vai 'dar uma espiada' no doente, Tatisa e Lu correm para às ruas sem sequer finalizar o saiote de lantejoulas, deixando apenas uma luz azul acesa 'para alegrar a casa'.
O conto dá nome ao, na minha opinião, melhor livro de Lygia. A edição da Companhia das Letras é mais cara (mas lindíssima) e custa uma média de R$ 35,00. Eu também já o encontrei na coletânea Venha Ver o Pôr-do-Sol.