A gente lê: Pergunte ao Pó

A gente lê: Pergunte ao Pó


pergunte-ao-po.jpgQuando me viu lendo On The Road, de Jack Kerouac, meu chefe me recomendou Pergunte ao Pó, de John Fante. Pois bem, procurei pelo bendito por três anos, até que finalmente o encontrei na Bienal 2014.

Valeu a espera.

O livro é protagonizado e narrado por Arturo Bandini, um garoto de vinte e poucos que conseguiu publicar um - apenas um - conto chamado O Cachorrinho Riu e, com isso, achou que era o maior escritor de todos os tempos. O rapaz muda-se do Colorado para Los Angeles acreditando que iria decolar, só que o tempo passa e ele não consegue sair do lugar.

Quando a narrativa começa, o cara está passando fome, devendo aluguel e sofrendo um bloqueio criativo que, acredita o pretenso autor, acontece em decorrência da falta de experiências - inclusive amorosas.

Bandini, como tantos personagens da literatura americana (de Sal Paradise a Holden Caulfield), faz nada e passa o dia todo vagando, gastando o resto do dinheiro e fantasiando sobre a carreira de sucesso que um dia terá. São trechos sublimes. Durante a narrativa, muitas vezes, Arturo Bandini pula para o seu mundo imaginário e cabe a nós, leitores, sermos espertos o suficientes para não cair na lábia dele.

Para sentirem como esse narrador é escorregadio, leia esse trecho em que ele tenta nos convencer que é um homem destemido:

"Apavorado por lugares altos também e por sangue e por terremotos; fora isso, bastante corajoso, excetuando a morte, exceto o medo de que eu vá gritar numa multidão, exceto o medo de apendicite, exceto o medo de problemas cardíacos, a tal ponto que, sentado no seu quarto segurando o relógio e apertando a veia jugular, contando as batidas do coração, ouvindo o ronrom e o zunzum do seu estômago. Fora isso, bastante corajoso"
Eis que, depois de estarmos bem apresentados ao protagonista, este vai conhecer Camilla.

Sim, é uma história de amor (e daqueles não correspondidos), mas, tão importante quanto o romance é a questão da identidade de Camilla. O fato da moça ser mexicana (e, portanto, inferior na cabeça de um americano descendente de italianos) faz com que Bandini tente submetê-la. Mas, no fim, é ele quem acaba dobrando-se, já que Camilla não o ama.

"Da areia e do cacto, nós, americanos, havíamos esculpido o império. O povo de Camilla tivera a sua chance. Fracassou. Nós, americanos, tínhamos efetuado o milagre. Graças a Deus por meu país. Graças a deus, eu nascera americano!"
Fundamental também é a aridez de Los Angeles. O pó daquela terra ajuda a construir um cenário geográfico e humano de desânimo. 
"Rostos drenados de sangue, rostos tensos, preocupados, perdidos. Rostos como flores arrancadas de suas raízes e enfiadas num vaso bonito"

Bom, fato é que essa obra me devastou, mas mais não posso contar em respeito à minha política de não gerar spoilers.

Ah, e se você tiver a sorte de encontrar essa edição da José Olympio Editora por aí, poderá ler um prefácio do queridíssimo Charles Bukowski, que atribui a Pergunte ao Pó uma das grandes influências de sua vida.

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