Processo de produção dos lindos livros da Cosac Naify

Processo de produção dos lindos livros da Cosac Naify

Acho que só fui entender toda a comoção gerada pelo fim da Cosac Naify no meio deste ano, quando tive uma aula com a antiga produtora gráfica da editora Aline Valli

Para começar do começo, preciso explicar que, basicamente, a geração do livro dentro de uma editora passa por duas etapas: a edição (que tem a ver com o conteúdo, ou seja, texto, tradução, revisão, etc) e a produção gráfica (ligada à forma, englobando escolha do papel, capa, fonte, diagramação, etc, etc). No geral, a fase da edição tem um peso maior, o que não acontecia na Cosac, onde a forma era tão bem cuidada quanto o conteúdo. O resultado eram aqueles livros lindos e praticamente artesanais.

No curso que fiz, descobri alguns segredinhos e curiosidades de produção dos livros que me deixaram embasbacada. Aposto que vão deixar você também: 

Bartleby, o Escrivão, de Herman Melville

Talvez esse seja o livro mais conceitual da Cosac. O personagem principal é um cara postergador e indeciso. Por isso os produtores resolveram colocar um aviso de 'Acho melhor não comprar esse livro' bem na embalagem. A ousadia não parou aí. Para abrir o exemplar, era preciso puxar uma linha vermelha que costurava a capa da frente e a de trás (capa e quarta capa, como a Bonie me ensinou). A seguir, as páginas vinham grudadas, forçando o leitor a rasgá-las com régua, uma a uma. É melhor ver com os próprios olhos:

Depois que o livro foi publicado, começou-se a perceber que os exemplares mofavam, porque o contato da capa (que era feita de algo parecido com um tecido encorpado) com a folha de rosto provocava uma reação que gerava umidade. A solução foi, a partir daí, incluir uma folha plástica entre as duas para evitar esse encontro fatal.

Ficou curioso? Meus pêsames, porque não encontrei o livro de Melville para vender nem no site Estante Virtual.

Segunda edição dos livros de Samuel Beckett

A príncipio, a Cosac lançou Esperando Godot, Fim de Partida e Dias Felizes como parte integrante daquela coleção Prosa do Mundo. Depois eles reeditaram Godot e publicaram também os romances Murphy Textos Para Nada com essa capa em preto e branco. Olhem bem e tentem matar a charada...

Se você inclinar a cabeça para a direita, dá para desvendar a palavra Beckett! (gente, eu tinha a edição de Esperando Godot e nunca tinha percebido).

Tem mais um detalhe, preparado? A bordinha das folhas são listradas, como vocês verão na próxima foto. Para conseguir esse efeito, a própria produtora fazia pilhas de livros e colocava durex de diferentes larguras antes de tingir apenas as bordas de preto, quando retirava o adesivo, tcharam.... Tudo isso feito a mão, claro.

Uma pilha nunca saía igual à outra.

Coleção portátil

E então decidiram fazer uma edição mais barata com as obras da Cosac. O desafio era conseguir livros bonitos e estilosos, mas com baixo custo. Como? Simples, primeiro precisavam economizar na capa. Eles pegaram um papel do tamanho de uma cartolina e fizeram aquele logo famoso da Cosac, só que em cores bem fortes.

Todas, eu disse todas capas dessa coleção são variações no recorte desse mesmo desenho! Para aproveitar bem cada 'cartolina', era preciso imprimir duas obras diferentes por vez, mas, para isso, elas tinham que ter a mesma quantidade de páginas. Como conseguir isso? Mudando a disposição do texto nas páginas internas.

À medida que novas edições eram impressas, mudavam a combinação de cores do logo. Ou seja, é possível que a minha edição de O Amante não tenha as mesmas cores do que a sua.

Para fazer um charminho, eles costuraram os cadernos com linhas coloridas, afinal, uma linha branca custa o mesmo que uma laranja.

Seção, de Marcius Galan

Esta obra de um artista plástico formada por três volumes foi embalada a vácuo, milimetricamente pensada para que as laterais formassem um desenho no logo.

Viu por que o fim da Cosac Naify foi algo tão doloroso? Para fechar a seção nostalgia, vou incluir o vídeo curisosíssimo de uma entrevista que Charles Cosac deu para a Revista Piauí durante o processo de encerramento das atividades da editora. Acho que, com ele, dá para entender um pouco quem é o idealizador dessa empresa tão peculiar.

Recomendo também que acesse os posts relacionados, onde mostro por dentro das edições do lindo Mary Poppins, dos Contos do Irmão Grimm e da Antologia da Literatura Fantástica.

Livros relacionados

Mary Poppins
Esperando Godot

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A gente lê: Antologia da Literatura Fantástica
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Livros restantes da Cosac Naify serão picotados

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