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A gente lê: Vida de Escritor

vida-de-escritor-.gifDuas amigas e eu iniciamos um Clube do Livro. Funciona assim: uma das integrantes sugere um título jamais lido por nenhuma das três - só não valem obras demasiadamente técnicas, apesar da relatividade dessa regra. A partir daí, temos 45 dias para concluir a leitura, que será discutida num encontrinho depois.

E o livro inaugural, escolha de Karina, foi Vida de Escritor, de Gay Talese.

Inusitado, porque, para quem fez jornalismo, o autor desperta um sentimento de revival das leituras obrigatórias da faculdade - Talese é o grande nome do jornalismo literário (não vou me arriscar a definir o gênero clique aqui para que a Wikipedia te conte mais).

Vida de Escritor começa numa tarde de 1999, com o cara (já idoso e consagrado) assistindo à final da Copa do Mundo de Futebol Feminino entre Estados Unidos x China. Ele leva dois longos e chatos capítulos descrevendo cada trecho do jogo, até chegar à "emocionante" decisão nos pênaltis, quando a chinesa Liu Ying tem seu chute defendido pela goleira americana.

Beleza. E por que tanta página gasta nisso? Talese fica obcecado com Liu Ying e decide bancar do próprio bolso uma viagem para a China só para entrevistar a moça.

Nesse trecho do livro, dá até um arrepio, porque parece que tudo vai engrenar, mas só parece... O autor pula bruscamente para uma interminável descrição de restaurantes bacanas de Nova York. Aí a história piora de vez até que, puf, o leitor é jogado para o meio da luta pelos direitos civis em 1965 e assim vai.

Está achando confuso? Pois é, senti o mesmo por um bom tempo até entender a razão de Vida de Escritor existir. Gay Talese tinha uma série de reportagens inacabadas ou mesmo prontas, mas rejeitadas por editores. Ao mesmo tempo, ele precisa, por contrato, escrever um livro. Resultado: simplesmente reuniu tudo e, tcharam, matou dois coelhos. 

E tudo isso de uma forma cansativa: aquele detalhamento no texto de Talese, pelo menos nesse livro, não é agradável. Sério, em um certo trecho, ele passa mais de um capítulo só contando sua busca por um tradutor na China. Enquanto isso, eu, leitora, ficava pensando: "está bem, já entendi que você é o megalândio, mas vamos ao que interessa?".

Foi então uma obra perdida? Não. Descartando a enrolação e os momentos egocêntricos, dá para aprender bastante. Vida de Escritor mostra, sim, os bastidores da feitura de uma reportagem. Tanto que até fui selecionando umas dicas de escrita e, em breve, compartilho com vocês.

Versão e-book de Vida de Escritor da Companhia das Letras: sacanagem

Paguei no site da Amazon.br R$ 36,96 pelo meu e-book. Considero um bocado de dinheiro para um livro digital e esperava que a versão fosse pelo menos impecável, mas não foi o que a Companhia das Letras fez. texto estava cheio (cheio mesmo) de letras minúsculas no lugar de maiúsculas.

Para piorar, aquele sistema de cálculo do tempo restante para finalizar o texto - algo disponível em e-books lidos no Kindle - parou de funcionar logo nos primeiros capítulos.

Só acho que as editoras precisam começar a deixar de lado a má vontade na hora de passar as obras para o meio digital. 

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A gente lê: A Autobiografia de Alice B. Toklas

autobiografia-alice-b-toklas.gifA Autobiografia de Alice B. Toklas foi escrito por Gertrude Stein. Hum? Percebeu a pegadinha? Pois é. Apesar de ser intitulada "autobiografia", a obra não pode ser rigidamente considerada como tal, já que não é narrada pela biografada. E é aqui que está toda a graça da história.

Calma, que vou tentar explicar do começo.

A americana Gertrude Stein foi, talvez, tão importante para a literatura como para a pintura mesmo sem jamais ter sido artista plástica. Isso porque ela se mudou bem jovem para Paris e, juntamente com o irmão, começou a comprar por mixaria quadros de pintores que até então eram desconhecidos: Cézanne, Matisse, Picasso... Sua casa, situada no moderno bar de Montmartre (o mesmo de Amélie Poulain e do Moulin Rouge :p ) virou então um ponto de encontro de grandes artistas e aí, voilá, estouraram não só os cubistas, como também grandes autores no nível de Hemingway, T. S. Elliot, Jean Cocteau. 

E é essa rotina de vai e vem de gênios que está descrita na obra abordada por este post.

Soa familiar para você? Pois se trata exatamente do mesmo ambiente retratado nas "voltas no tempo" do filme Meia-Noite em Paris, de Woody Allen. Lembra que o personagem de Owen Wilson entrega seus manuscritos a uma senhora simpática? Então, é Gertrude! 

Revi alguns trechos do longa depois que terminei A Autobiografia... só para poder comparar e foi bem divertido. O Picasso descrito por Gertrude é muito mais afável do que o emburrado personagem do filme; já o Hemingway do cineasta é muito mais bacanudo do que o oportunista homem de Alice/Gertrude.

Mas, afinal, quem diabos era Alice B. Toklas? Bom, ela é mais uma americana que chega em Paris e cai bem no meio do buchicho, passando a ser secretária e também companheira de Gertrude. Há boatos de que formavam um casal, embora o posfácio da edição linda, de capa dura e cheia de detalhes da Cosac Naify, escrito por Silviana Santiago, defenda a ideia de um "casamento bostoniano" - lar onde duas amigas vivem como irmãs, sem uma presença masculina.

gertrude-stein.gif

Tanto faz. A questão aqui é por que teria Gertrude invocado a voz de Alice para contar a sua própria história? Não sei. Mas gosto muito da hipótese sugerida por minha amiga Karina: "a escritora queria se elogiar". Duvida? Vejam só esses trechos de pura "modéstia" que selecionei (não se esqueçam que, no duro, trata-se de Gertrude falando sobre si):

"Os três gênios de quem quero falar são Gertrude Stein, Picasso e Alfred Whitehead. Conheci muitas pessoas importantes, conheci várias grandes pessoas, mas só conheci três gênios de primeira classe"
"(Gertrude) não entendeu por quê, uma vez que que a escrita era toda tão clara e natural, caçoavam e se enraiveciam do seu trabalho"

Isso que é autoestima, né? Tanto que acho até que incomoda um pouco. Gertrude acredita ter sido a precursora da literatura moderna. Hum... Não quero avançar em assuntos que desconheço - não li suas outras obras-, mas sei que é bem pouco mencionada em comparação aos seus contemporâneos como Virginia Woolf (ok, aqui me torno suspeita) ou mesmo Hemingway.

Enfim, fato é que quanto mais a narrativa de A Autobiografia ... se distanciava das fofocas sobre os artistas, mais meu interesse se dissipava. No fim, achei o livro cansativo, mas terminei com uma vontade danada de ler Três Vidas, provavelmente a obra-prima de Gertrude - mesmo que seja para fechar e dizer "ah, ela não é tudo isso que pensava" :p

Ficou curioso? Cadastre-se no Shereland e inclua A Autobiografia de Alice B. Toklas na sua lista de futuras leituras. 

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A gente lê: Viagens de Gulliver

E a leitura da vez foi Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, que a Gabriela aqui do site havia sugerido que eu fosse gostar. Ok, não foi só ela. Eu mesmo me interessei pelo livro, a história parecia interessante.

Antes de ler, só gostaria de deixar avisado que esse post tem muito spoiler.

A surpresa. O filme não é de todo distante do filme com o Jack Black.

jack-black-as-viagens-de-gulliver.resized.jpg

Claro também que não é tão parecido. Há apenas algumas semelhanças, como o caso do xixi. Mas claro, o filme é de comédia, e começa a colocar muitas coisas que não tinham na história.

Por sinal, o que me surpreendeu é que não se trata apenas de uma história, mas de diversas. Esse tal de Gulliver não se contentou em se perder pelos mares apenas uma vez, mas foram quatro no total, e em cada uma dessas quatro conheceu uma civilização diferente.

A primeira já é conhecida, em que ele é grande, e todos são pequenos. Na segunda é o contrário. Na terceira, conhece uma civilização de seres super inteligentes logicamente, mas pouco práticos. Por fim, uma em que a civilização é composta por cavalos.

Mas o que é a parte mais interessante de cada um deles? O autor se aprofunda bastante em tentar se colocar no lugar de cada um da história. Como seria se tivesse um ser muito grande? Além do tamanho, vamos nos incomodar com o som do que ele fala, que iria incomodar nossos ouvidos. E o que aconteceria se encontrássemos uma civilização com uma política totalmente diferente? No caso, ele vivia em monarquia, e o autor tratava de ideias em que não fosse um escolhido de Deus para governar (temos que pensar que o livro é de 1726).

Em resumo, a história é bem interessante e psicológica, em que demanda da gente parar e pensar na situação para que possamos entender. Não é aquele livro que vamos ler rapidinho, mas vai demandar um pouco de atenção.

E tem também umas gravuras legais. Deixei um álbum abaixo para vocês
(novamente, cuidado com o spoiler)

Álbum

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As sete melhores frases de Virginia Woolf em Mrs. Dalloway

Falar de Virginia Woolf no último post, me despertou a vontade de fuçar nos livros que tenho da autora na minha estante. E aí percebi que, na época em que li Mrs Dalloway , destaquei tantos trechos da obra, que seria muito egoísmo não compartilhá-los com vocês.

Aproveitem e depois respondam ao nosso desafio, qual é o seu favorito?

"Amar nos faz solitários."
"As fagulhas, depois de abrirem caminho pela noite, capitular diante dela, a escuridão cai, depejando-se sobre a silhueta das casas e das torres; encostas desoladas se esbatem e desaparecem."
"Todavia, o sol estava quente. Todavia, a gente acaba superando tudo. Todavia, sempre na vida um dia vem depois do outro."
"Com o dobro da inteligência do marido, era obrigada a ver as coisas pelos olhos de (Mr) Dalloway - umas das tragédias da vida matrimonial"
"e por vezes quse sentia vontade de parar as pessoas na rua, quando pareciam gentis e bondosas, apenas para lhes dizer 'Sou tão infeliz' "
"mesmo entre marido e mulher há um abismo; e isso é algo para se respeitar, pensou Clarissa, observando-o abrir a porta, pois não dá para abrir mão disso, arrebatar isso do próprio marido, contra a vontade dele, sem perder a própria independência, o respeito próprio"
"Ela a odiava: ela a amava"

PS: uso aqui a tradução feita por Claudio Alves Marcondes, da edição linda da Cosac Naify.

Nunca leu Mrs. Dalloway? Cadastre-se no Shereland e veja se algum amigo seu não tem um exemplar para te emprestar. (Ou ainda acha que somos apenas um blog? )

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A gente lê: A Viagem

viagem-virginia-woolf.gif

Um alerta para você que vai começar A Viagem, de Virginia Woolf, pela edição da Novo Século: deixe o prefácio por último. Sim, os textos introdutórios - um de Antonio Bivar, outro da sobrinha da autora - revelam o fim do livro! Ah, gente, não pode!

Pessoalmente, corro de spoilers porque acho que alteram a minha expectativa de leitura. Com eles, começa-se um trecho com o pressuposto da reviravolta que vai encerrá-lo, o que, creio, subverte a proposta do autor.

Enfim, desabafo à parte, A Viagem é o primeiro romance da inglesa, que trabalhou nele por 11 anos até finalmente publicá-lo em 1915, aos 33 anos. Apesar do ineditismo, Virginia já era Virginia - o que, para mim, significa ser uma das cinco maiores entre todos os autores que conheço. Já está tudo ali: os fluxos de consciência, a atenção aos detalhes, o feminismo e a crítica ao comportamento da elite inglesa.

Tá bom, tá bom. Mas e a obra? Hum... Difícil compactar. Já escrevi e apaguei algumas vezes aqui sem conseguir concordar comigo mesma.

Vamos lá, bem resumidamente.

Eu diria que é a história de duas inglesas, a quarentona Helen Ambrose e a inocente sobrinha Rachel, que cruzam o oceano para passar as férias em uma vila de veraneio de algum país subdesenvolvido da América. Segundo Antonio Bivar, o romance se passaria no Brasil. Mas não consigo concordar com o estudioso, porque Virginia descreve um lugar onde os criados falam espanhol e o outono acontece em março. Portanto acho mais assertivo dizer que Santa Marina é ficção.

Ok. Um enredo de uma viagem não parece nada demais. Só que o tempero mesmo está nos personagens que vão pipocando ao longo da trama.

Primeiro, temos os Dalloway. Isso mesmo, onze anos antes de dar nome a um romance fenomenal, Mrs. Dalloway e o marido aparecem pegando uma breve carona em A Viagem! O casal faz um trechinho do percurso de navio com os Ambrose, o suficiente para perturbar a vida de Rachel, e, quando partem, Virginia vem com essa maravilhosa definição sobre despedidas:

"Uma sensação de vazio e melancolia os dominavam; sabiam em seus corações que aquilo tinha acabado e que se tinham separado para sempre, e a consciência disso provocava neles uma depressão bem maior do que se justificaria pelo tempo que se conheciam."

Aí tudo entra na estabilidade, quando, quase na página 200, Helen e Rachel, já em Santa Marina, encontram um hotel cheio de outros ingleses de férias. É sério! Acho que jamais havia lido uma história com uma inserção tão brusca de um novo - e fundamental - núcleo. Confesso até que tive uma certa dificuldade para me adaptar com tanta gente nova. 

É aí que, mais uma vez, nossas personagens principais vão passar por experiências e influências definitivas que vão mudar o rumo das coisas. O que me faz pensar que, no fundo, A Viagem fala sobre transição, entradas e saídas. Sobre encontros, as transformações que eles nos causam e, sobretudo, como a vida continua apesar das partidas.

Estou muito tentada a continuar falando, porque uma das frases mais bonitas que já li está no trecho final do livro, mas melhor não estragar as surpresas que só terão se encararem o romance por vocês mesmos.

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Vamos falar da parte ruim? A edição da Novo Século

O meu exemplar faz parte de um box de seis livros da Virginia Woolf que ganhei de uma amiga em 2012.

Meu problemas começaram quando peguei A Viagem pela primeira vez  e percebi que várias páginas estavam em branco. Não preciso nem dizer que o box vinha embalado por plástico e, portanto, era um defeito não aparente. Depois de um empurra-empurra entre editora e loja virtual onde a compra foi feita (Submarino), consegui trocar o livro - um ano e dois meses após o primeiro contato.

Ufa!

Eis que começo a ler e não pude deixar de perceber diversos errinhos de revisão durante a obra, principalmente nos capítulos finais. Não é possível! Creio que o revisor estava cansado e acabou pulando umas páginas. São errinhos bobos, mas meio intoleráveis num título que está custando entre R$ 25 e 37 no mercado, não acham?

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