Esses dias, estava lendo uma coletânea de contos da americana Carson McCullers e encontrei uma personagem adolescente que afirma com segurança que, no Brasil, fala-se espanhol. Não acho que o equívoco desqualifique a escritora - duvido que você saiba, por exemplo, o idioma oficial do Butão -, mas fiquei tentada a relembrar outros brasileiros que apareceram em livros estrangeiros que li recentemente.
Veja só:
Carson McCullers e seu José García, em Correspondence
Carson McCullers foi uma autora interessantíssima que você precisa conhecer. Dito isso, pulo para o seu conto Correspondence, em que uma garota do ensino médio tenta se tornar amiga por correspondência de um tal Manoel García, morador da 'calle' (rua em espanhol) São José, no Rio de Janeiro. Em determinado momento da carta, a menina diz que imagina que o brasileiro tenha 'olhos pretos, pele marrom e cabelos cacheados e pretos' e fique 'andando na praia'. Até aí, tudo certo, até que ela se desculpa porque seu 'espanhol não é tão bom' e ainda se despede com um 'adiós'. Pois é... Mas vamos desculpar Carson, porque, na época em que escrevia, não existia Google.
Geografia à parte, o conto é extremamente bom, mas não sei se pode ser encontrado em espanhol português. Caso leia em inglês, está nesse Colected Stories of Carson McCullers.
Gabriel García Márquez e sua Maria dos Prazeres, do conto Maria dos Prazeres
Uma das histórias de Doze Contos Peregrinos é protagonizada por uma brasileira que "havia recebido tantos homens a qualquer hora", ou seja, prostituta. Devido a uma enchente em Manaus, a mulher abandonara a terra natal para ir ganhar a vida em Barcelona, onde se passa o conto. Aos 76 anos, a supersticiosa Maria acredita que previu a morte e decide comprar seu túmulo e outras providências finais. A rosa vermelha que ela usa na cabeça é um toque a mais para se adequar ao clichê da brasileira fatal.
J. M. Coetzee e sua Adriana Nascimento, em Verão
No último livro de sua trilogia quase autobiográfica, Coetzee optou por se matar. Calma, não é isso que você está pensando... Foi o personagem Coetzee que morreu de uma forma não explicada e está sendo biografado pelo narrador do livro. Por sua vez, este vai entrevistar as mulheres da vida do escritor, sendo uma delas a bailarina brasileira que partiu com a família para a África do Sul para fugir da ditadura.
Lá, Adriana tem de sustentar as duas filhas depois que o marido morre em um acidente de trabalho. Apesar das dificuldades financeiras, ela consegue pagar um curso de inglês para uma das garotas, e é aí que conhece o personagem Coetzee, o professor. Só que a brasileira é mulher rígida e não vai gostar nada de ter um cara que não é inglês nato (Coetzee é de uma etnia na África do Sul chamada africânder) e que, ainda por cima, vai cair de amores por ela.
Achei muito bonito um dos meus escritores favoritos ter criado uma personagem brasileira (que pode ou não ser inspirada numa mulher real) forte, trabalhadora, guerreira e extremamente séria.
Catherine Clemént e seu Brutus Carneiro, em A Viagem de Théo
Théo está muito doente, e a tia dele toma uma decisão inusitada: levá-lo para rodar o mundo conhecendo diferentes crenças - eu digo que é a versão de O Mundo de Sofia para a história das religiões, em vez da filosofia.
Em uma parte do livro, Théo desembarca no Rio de Janeiro para aprender sobre o candomblé. O guia turístico/espiritual do menino será Brutus (como se esse fosse um nome superbrasileiro) Carneiro da Silva, descrito como um homem de "aparência alta, cabelos crespos, copanzil alta e olhos verdes". O melhor é o estilo do homem: terno verde, gravata borboleta e um sapato branco que, vira e mexe, ele limpa com um lenço. Ah, e ele é galanteador.
Mia Côuto e sua Rosie Southman, em O Outro Pé da Sereia
O autor moçambicano é nosso brother, deve vir ao Brasil semana sim, semana não (brincadeira, gente!)... E nessa obra maravilhosa ele criou um casal de acadêmicos formado por um afro-americano e uma brasileira, que desembarcam na fictícia Vila Longe para estudar a história dos escravos e combater a pobreza - o que, claro, é uma forma de Mia Côuto tirar um sarro da forma como o resto do mundo vê a África.
O divertido é que, enquanto o americano é um cara emocionado (até demais) para se reconectar com suas raízes, a brasileira de "vasto volume" é retratada o tempo todo com uma pessoa que quer se livrar do seu terceiro mundismo (começando pelo nome, pois, na realidade, ela se chama Rosa).
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