A gente lê: Ainda Estou Aqui, de Marcelo Rubens Paiva
Na década de 80, Marcelo Rubens Paiva explodiu com Feliz Ano Velho, obra em que contou sobre a noite de Réveillon quando mergulhou num lago, fraturou as vértebras e tornou-se parapégico. Trinta e três anos depois, o escritor volta a mexer com a própria história, desta vez com Ainda Estou Aqui. "Eu sentia que ainda não tinha contado tudo", explicou em evento na Livraria Cultura de São Paulo no fim de setembro.
Além de ser um livro de memórias, o lançamento é sobre a memória e sua volatidade, como Marcelo define em um trecho de Ainda Estou Aqui:
"Memória lembra dunas de areia, grãos que se movem, transferem-se de uma parte a outra, ganham formas diferentes, levados pelo vento"
Parte do meu interesse pelo livro foi despertado porque ouvi falar que ele explicaria o mistério sobre Rubens Paiva, o pai do autor. O deputado cassado pela ditadura foi levado de casa pelos militares para prestar um depoimento em 1971 e nunca mais voltou. Marcelo citava o caso muito por cima em Feliz Ano Velho, e só agora fui entender que essa reticência não era uma escolha, pois até hoje o caso não está solucionado. E talvez nunca será, porque a maioria dos militares envolvidos na morte de Rubens Paiva já se foi, os que poderiam ter contado algo, calaram-se, e os documentos sumiram. Com isso, fica impossível saber por que justamente um senhor que aparentemente não tinha envolvimento direto com a luta armada foi torturado até o corpo não aguentar mais.
Ainda Estou Aqui traz as peças que Marcelo conseguiu reunir sobre o pai. Mas essa é só uma parte do livro. Dona Eunice Paiva, a mãe do escritor, também é uma personagem importante - talvez a principal. Depois da tragédia toda com o marido, ela, até então uma dona de casa mãe de cinco fihos, decidiu começar uma faculdade de direito e se tornou uma importante advogada. No entanto, nos anos 2000, justo quando quis se aposentar para aproveitar a vida, começou a evidenciar sintomas de Alzheimer. Viram por que a memória é tão importante na história?
Nem só sobre ditadura, nem só sobre enfermidades degenerativas. No fim, Ainda Estou Aqui é um livro único e com aquela linguagem coloquial que Marcelo é mestre em fazer.
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