A gente lê

Aqui contamos para você qual é o livro que a gente anda carregando na mochila. (Porque, acima de tudo, nós do Shereland somos leitores)

A gente lê + Frases de Harper Lee em Vá, Coloque Um Vigia

Até o começo ano passado, Harper Lee era a autora de um único romance, mas justamente "o" romance americano: O Sol É Para Todos, clássico de 1960 sobre as tensões raciais no sul dos Estados Unidos. Acontece que, em fevereiro de 2015, foi anunciado que a escritora (então com 88 anos, já praticamente cega e surda) havia topado publicar uma obram sua esquecida, Vá, Coloque Um Vigia.

Como já escrevi aqui, essa súbita decisão tomada um ano antes de morrer (coincidência?) gerou bafafá, pois parece que Harper Lee não estava mais sã. Tudo teria sido uma manobra dos editores para ganhar $$$ (o que deu certo, pois Vá, Coloque Um Vigia foi o terceiro livro mais vendido nos EUA em 2015). Por causa disso mesmo, por muitos meses fiquei na dúvida sobre se deveria ou não ler o 'filho temporão', mas a curiosidade prevaleceu.

Primeiro, é bom recordar os pontos principais de O Sol É Para Todos. Nele, temos duas crianças que passam a ser tratadas de forma estranha porque o pai advogado delas resolveu, em pleno Alabama segregacionista, defender um negro acusado de estupro por uma menina branca. O personagem Atticus, o pai, virou um exemplo de honra e integridade para várias gerações.

... até chegar Vá, Coloque Um Vigia, obra com as mesmas figuras, só que vinte anos depois. Scout, a garota corajosa do primeiro livro, agora tem 26 anos, vive em NY e está voltando para a cidadezinha natal para passar as férias. Lá, ela descobrirá de uma forma brusca que seu (e nosso) herói Atticus está integrando um Conselho de Brancos que é contra, por exemplo, o ingresso de negros nas escolas dos brancos.

Essa contradição do personagem foi muito valorizada pelos comentários que li sobre a obra, mas vou falar que achei todo o buchicho bem exagerado. Não há mudança de personalidade... O X do livro está justamente em entender que Atticus não era Deus, mas apenas um homem do seu tempo. 

Então Vá, Coloque Um vigia é a continuação de O Sol É Para Todos, certo? Aí é que está. É vendido como se fosse, no entanto foi escrito antes da obra-prima! Parece que foi uma proposta recusada pelas editoras que Harper Lee aprimorou, acrescentou, retirou e rejuvenesceu personagens até dar no clássico. 

Como eu já sabia do rolo todo, para mim, ficou evidente durante a leitura que Vá, Coloque... foi rebocado (por alguém que não a Harper Lee, já que ela não estava em condições) para parecer ser uma sequência. (Spoiler: acho, por exemplo, que Jem e Dill não estavam no rascunho).

Levando tudo isso em consideração, valeu a pena ter lido? Pior que sim, pois, quem quer que tenha escrito criou uma história ótima, reflexiva e boa para entender os primórdios da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Ah, outro alerta, às vezes nós, leitores brasileiros, ficamos um pouco perdidos no contexto, mas nada incompreensível.

"Frases" de Harper Lee em Vá Coloque Um Vigia

Como eu disse, não dá para garantir que as citações tenham sido totalmente escritas pela escritora, mas são boas de qualquer forma, então daremos um desconto?

"Um homem pode estar fervendo de raiva por dentro, mas sabe que uma resposta serena é melhor do que um ataque de fúria. Um homem pode condenar seus inimigos, mas é mais sensato conhecê-los."

"Os homens costumam compartimentalizar a honestidade. Podem ser absolutamente honestos em um sentido e se enganar completamente em outros."

"A ilha de cada homem, o vigia de cada homem é a sua própria consciência. Não existe essa de consciência coletiva."

"É sempre fácil olhar para o passado e ver como éramos ontem ou dez anos atrás. Difícil é ver o que somos hoje."

"Se não tivesse transformado isso em um problema, o problema raramente surgiria."

"O preconceito, uma palavra suja, e a fé, uma palavra sagrada, têm algo em comum: os dois começam onde termina a razão."

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A gente lê + Frases de Zelda Fitzgerald em Esta Valsa É Minha

Zelda e Francis Scott Fitzgerald foram um casal muito louco que acabou se tornando um dos ícones da Geração Perdida da década de 1920 (aquela representada no filme Meia Noite em Paris, do Woody Allen). No entanto, F. S. ainda conseguiu transpor a barreira da mera curiosidade em torno de sua vida pessoal: hoje em dia, ele é aclamado por O Grande Gasby, um dos maiores clássicos de todos os tempos segundos várias dessas listas de 'essenciais' que surgem por aí (inclusive esta). Já Zelda, acabou ficando conhecida como... a esposa de do Fitzgerald, o que sei ser uma grandessíssima injustiça desde que li Esta Valsa É Minha, o único livro publicado por ela.

Em 1932, a moça estava internada em um sanatório nos Estados Unidos - ao que tudo indica, era bipolar.  Então pegou um lápis e um caderno (digo isso por pura força de expressão, já que não tenho ideia de como ela escrevia) e gerou, em seis semanas, um romance com toques autobiográficos (ou seria uma autobiografia romanceada?). Nele, acomeçaremos a acompanhar a espevitada Alabama desde a infância no sul dos Estados Unidos. Filha de um juiz (assim como Zelda) e de uma dona de casa, a garota arranca suspiros (assim como Zelda) dos oficiais que haviam invadido sua cidade durante a guerra. Um desses moços será David (ou Fitzgerald?), com quem ela se casa e vai viver em NY, onde o cara está começando a fazer sucesso como pintor.

Já vale a pena ler o livro só para acompanhar o casal fictício (e imaginar até que ponto aquilo tudo rolava com o casal real), mas achei que a narrativa pegou fogo mesmo quando, já em crise com o galinhão do marido, Alabama aposta todas as suas fichas para se tornar uma bailarina, momentos que me lembraram Natalie Portman em Cisne Negro. Também gostei muito do texto de Zelda e de suas frases maravilhosas. Algumas selecionei para terminar este post:

"Essas garotas - diziam as pessoas - pensam que podem fazer qualquer coisa e ficar impunes."

"Convinha ter indicações sobre si própria para seguir adiante."

"Gosto de pagar pelo que faço... desse modo, sinto-me em dia com o mundo."

"O medo é uma questão de nervos... Talvez todas as emoções sejam."

"Esta festa é minha - ela insistiu quando a conta apareceu. - Há anos que a estou dando."

"A vida não é tão difícil quanto as profissões."

"melhor deixar cada um por si e interpretar as coisas de modo a se adaptarem aos desejos pessoais."

"Seu corpo estava tão cheio de estatística por causa do constante açoite de seu trabalho que ela não conseguia obter uma clara comunicação consigo mesma."

"Às vezes sou tola quando fico sozinha."

"Por que passamos anos gastando os corpos para alimentar as mentes com experiência, para no final descobrir as mentes voltando-se para os corpos exaustos em busca de consolo?"

Definitivamente o livro que mais gostei de ler neste começo de ano. Interessou? Cadastre-se no Shereland, adicione seus amigos e veja se algum deles disponibilizou Esta Valsa É Minha para empréstimo.

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A gente lê: O Compromisso + frases de Herta Müller

Estava passeando pelas estantes da biblioteca que eu frequento e avistei O Compromisso, de Herta Müller. Até então, só sabia sobre a escritora o que eu tinha pesquisado para fazer o post sobre os nobéis de Literatura: que ela foi premiada em 2009, é romena, mas deixou o país quando foi convidada para ser espiã do governo.

Acertei ao pegar o exemplar emprestado, porque achei tudo incrível! O enredo é mais ou menos assim: a personagem principal foi convocada para responder a uma acusação às 10 da manhã. Durante o trajeto de bonde, a mulher divaga sobre seu 'crime', seu relacionamento, sua família e outras coisas mais.O contexto da história é um país sob um regime totalitário disfarçado de comunista.

A linguagem de Herta Müller é rodeada e atenta a detalhes. Para entender melhor, dá uma olhada nessas frases que guardei:

"Em lugar de negro profundo o sono do dia é plano e amarelo. Dormimos inquietos, o sol incide em nossos travesseiros. Mas mesmo assim podemos abreviar o dia. Seremos observados cedo o bastante, o dia não foge. Sempre podemos ser criticados por alguma coisa, mesmo que durma quase até o meio dia."

"Muitas coisas pioram quando são faladas. Eu me habituei a me calar a tempo, e mesmo assim em geral é tarde demais, porque mais cedo ou mais tarde sempre quero dizer o que penso."

"Mas é impossível ser feliz na paz."

"A gente sai para dar uma caminhada e o mundo se abre. E antes que a gente tenha conseguido esticar bem as pernas, mais uma vez ele se fecha. Daqui até ali é só um liga-desliga de uma lanterna, e chamam isso de vida."

 

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A gente lê + Frases de Marcia Tiburi em Como Conversar Com Um Fascista

O novo livro da filósofa-pop Marcia Tiburi, Como Conversar Com Um Fascista, foi o mais bombado do fim do ano (pelo menos na minha timeline). Para vocês terem uma ideia, ele chegou a liderar a lista dos mais vendidos da Amazon Brasil logo na primeira semana de lançamento. 

Mas como uma obra de filosofia conseguiu esse feito nesse Brasilzão de deus? Bom, primeiro porque esse título maravilhoso chama atenção em tempos como esse. Segundo porque quem já viu a autora em programas como Saia Justa ou no Fantástico sabe que ela faz um grande esfoço para trazer a filosofia para leigos. 

Estive em um dos lançamentos em São Paulo, e a super de bem com a vida Marcia explicou para o público que a ideia de escrever "esse livro de autoajuda" (como ela mesma gosta de brincar para ver se estimula as vendas) veio do fato de que todo mundo está tendo que conviver com um ente que é querido, mas é fascista - expressão usada pela filósofa com um conceito distinto daquele ensinado nas aulas de história. "Fascista é aquele alguém com quem não dá para negociar, que torna a conversa impossível", definiu a escritora.

Mas, e aí? Como conversar com um cara desses, então? Marcia dá a resposta logo nas primeiras linhas do livro: pelo diálogo. Mas, ao contrário do que o título induz a acreditar, ela não fará um passo a passo definitivo. O que Marcia vai propor, claro, é refletir, filosofar.

Separei algumas frases pra vocês se empolgarem para ler, mas também para que eu possa consultar sempre que a petulância me falar mais alto.

Frases de Como Conversar Com Um Fascista

"O fascista não consegue relacionar-se com outras dimensões que ultrapassem as verdades absolutas nas quais ele firmou seu modo de ser."

"A função da certeza é negar o outro."

"O motivo pelo qual amamos é inversamente proporcional ao porque odiamos. No primeiro caso construímos, no segundo, destruímos."

"O fazer vazio é consumo."

"O diálogo é o contrário do discurso e só ele pode 'desarmá-lo'."

"A complexidade do ato de escutar está em que, por meio da escuta, entro em outros processos de conhecimento. Torno-me outra pessoa."

"Política é a capacidade humana de criar laços comuns em nome da boa convivência entre todos."

"Os brancos não podem sofrer por 'racismo reverso' porque o racismo é uma ideologia branca inventada para submeter populações negras."

"Agimos em nome do que pensamos. Mas muitas vezes não entendemos muito bem nossos próprios pensamentos, pois somos vítimas de pensamentos prontos."

"O amor é esse afeto aberto ao futuro. O ódio é afeto fechado para o futuro."

"Pela lógica do estupro, pensa-se mais no 'erro' da vítima do que no 'erro' do criminoso."

"Há um prazer de falar que não se compara ao prazer de calar."

"O medo é o cerne profundo da conservação e, no extremo, do conservadorismo."

"por trás do ato de definir está a tentativa de dominar o que é estranho e assim, transformando-o em algo familiar, eliminar ou controlar sua estranheza."

"Evitar preconceber e abster-se de não falar sobre o que não se conhece seria o desafio social, ético e político da nossa época"

"O senso comum se constrói e se sustenta no 'dizem que'."

 

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A gente lê: O Vendedor de Passados de José Eduardo Agualusa

Eu adorei O Vendedor de Passados, de José Eduardo Agualusa! Mesmo! E começo esse texto assim (cheia de exclamações e elogios) para incentivar você a ler ainda que eu não possa argumentar muito daqui para baixo. É porque o melhor da obra não pode ser contado.

Bom, o máximo que eu posso dizer é que o livro trata sobre Félix Ventura, um albino morador de Luanda. Para empatizar com a história dele, tem que pensar que, em alguns países africanos, é comum o abandono de bebês com essa característica. Foi o caso do protagonista de Agualusa, deixado recém-nascido na porta da casa de um livreiro (ou 'alfarrabista', para entrar no clima do português angolano). Félix cresce em um ambiente culto e se torna 'genealogista', o que, na definição dele, significa ser uma pessoa responsável por criar ascendências nobres para quem contrata seu serviço.

Essa construção de identidade como tema me remeteu muito a enredos de outros livros africanos que li, como Terra Sonâmbula, de Mia Couto, e até Desonra, do Coetzee. Enfim, isso é só um adendo para a vida e uma conclusão para o texto. Acreditem, tem muita coisa boa aqui, mas se eu falar, estraga.

Ah, o livro inspirou um filme brasileiro dirigido por Lula Buarque de Hollanda, como Lázaro Ramos e Alinne Moraes. Fiquei curiosa para assistir.

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