Hoje é Dia dos Pais. Em vez de eleger personagens fictícios como costumo fazer nessas datas especiais, preferi contar uma emocionante história da vida real que descobri com a ajuda da minha amiga Karina: a de Maria Julieta e de seu pai, Carlos Drummond de Andrade.
O poeta e sua filha única tinham uma relação de extrema proximidade, tanto que ela tentou seguir os passos do pai e chegou a escrever livros. No entanto, nunca conseguiu ser uma escritora aclamada - há quem diga que foi ofuscada pelo talento do progenitor.
Em 1987, Maria Julieta morreu aos 57 anos vitimada por um câncer. A fatalidade foi demais para Drummond, já com 84. No cemitério, ele teria dito a um amigo que sua vida tinha acabado. Doze dias depois - em 17 de agosto -, o escritor sofreu um infarto e morreu, sendo enterrado ao lado da filha no Cemitério São João Batista, em Botafogo, no Rio.
Logo começaram a rolar boatos de que Drummond teria parado de tomar seus remédios para apressar a morte, mas a hipótese foi descartada pelos médicos.
OK, sei que essa história é tristíssima para este dia. Então vamos elevar um pouco o humor.
Maria Julieta entrevista Drummond sobre a morte
Em 1984, Maria Julieta, em sua versão jornalista, entrevistou o pai - que era um homem bem avesso a esse tipo de intromissão. O resultado foi um bate-papo cheio de cumplicidade e até bem humorado, já que a repórter não hesitou em apontar contradições do poeta.
Copio aqui o trecho em que eles falaram sobre morte, mas, se quiser ouvir a conversa na íntegra, os áudios estão disponíveis no site Projeto Memória .
Drummond: Você não pode imaginar como deus me chateia. Eu não creio nele, creio realmente numa organização natural. (...) A única coisa de que estou convencido é a de que nós morremos de verdade, morremos mortos. A essência humana desaparece, se ela se converte em cinza, em adubo, em qualquer coisa, não é mais a essência humana. Então vamos convir que o homem não é assim tão importante.
Maria Julieta: Você está preparado para a morte?
Drummond: Eu acho que estou. Tanto quanto é possível, porque eu sei lá qual é a sensação que eu vou ter quando eu sentir que estou morrendo. Pode ser uma reação de aceitação ou pode ser de revolta, né?
Maria Julieta: Você acha que sua missão foi cumprida?
Drummond: Minha vida foi feita ao sabor do acaso, né? À minha revelia. Eu me adaptei à vida que me impuseram, que me traçaram. É verdade que eu contribuí pouco para modelar a minha vida. Eu não estudei. Para falar a verdade, eu fico muito espantado quando as pessoas falam dos meus conhecimentos, da minha sabedoria. Não tem nada disso, isso é uma palhaçada. Eu não estudei, fui muito vadio.
Maria Julieta: Um dia você me falou que se considerava um homem feliz.
Drummond: É, nesse sentido, eu me considero um homem feliz, porque eu não fiz força para viver. Eu não sofri grandes traumas na vida. Tive um grupo de amigos que me ajudou muito, que me salvou do desânimo que era uma tendência natural do meu espírito.
Maria Julieta: Eu acho que você dá uma valor excessivo a esses amigos, é inútil ter bons amigos se a pessoa não tem dentro de si a capacidade de se salvar.
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